Você quer ser sócio de Jair Bolsonaro?
Demissão de diretor por causa de comercial põe em xeque a governança do BB; para especialista, preferências do presidente pesaram mais do que a estratégia do banco
Você gostaria de ser sócio do presidente Jair Bolsonaro? Essa pergunta pode parecer esdrúxula, mas não é. Se você comprar ações de empresas como Banco do Brasil, Petrobras, Eletrobras ou qualquer outra estatal, vai levar de lambuja o governo federal — e o presidente da vez — como sócio.
Esse fato pode não pesar negativamente na hora de você comprar as ações, se o governo for ponderado e não se meter demais na vida das empresas das quais é o acionista controlador. Infelizmente, esse não é o caso do governo atual — e nem dos anteriores. Cada um a seu modo.
Em quatro meses de gestão, o governo de Jair Bolsonaro (no caso, ele mesmo) já meteu o bedelho em decisões da Petrobras, determinando a suspensão de um reajuste no preço do diesel, e, mais recentemente, no Banco do Brasil (BB). Na quinta-feira, um comercial do banco, com diferentes tipos de jovens, foi tirado do ar às pressas, depois da insatisfação do presidente da República com o teor da campanha. Isso acarretou, inclusive, na demissão do diretor de marketing do BB.
Trocando em miúdos: o conservadorismo de Bolsonaro não se limita mais a tuítes e discursos controversos sobre orientação sexual ou minorias. Seus gostos pessoais agora também precisam ser levados em conta nas decisões tomadas pelas diretorias das estatais brasileiras.
Quem investe nas ações desse tipo de empresa na bolsa, portanto, precisa levar isso em consideração.
Esse tipo de postura é totalmente condenável pela cartilhas de boas práticas de governança corporativa. E olha que não estamos falando de coisas sofisticadas. Este é considerado um erro primário por gente da área.
“A impressão é que os desejos pessoais do presidente estão acima das regras de negócio”, diz Rui Rocha, sócio-fundador da Partner Consulting, empresa especializada em governança corporativa.
Uma coisa para o leitor desavisado ter em mente: quando adquirimos ações de uma empresa, compramos um pedacinho dela. Ou seja, nos tornamos sócios da companhia, e sua valorização ou desvalorização nos deixa com mais ou menos dinheiro.
Agora que você entendeu, aceitaria ter como sócio o presidente Jair Bolsonaro? Pois, no fim das contas, é isso que ocorre com quem compra ações de estatais listadas em bolsa hoje.
“A interferência de políticos que não entendem nada de negócios é muito danosa”, diz Rocha. O modelo de governança, afirma, não está funcionando como deveria ou poderia dentro das estatais brasileiras. E essa fragilidade é um dos grandes motivos da falta de atratividade para novos investidores.
Nos governos anteriores, para não falar dos casos de corrupção, houve interferências pesadas em decisões sobre preços de combustíveis e taxas de juros, para citar dois exemplos que envolveram Petrobras e BB.
Para o sócio da Partner, “o mundo está de ponta cabeça nas estatais”. E a interferência do governo, em si, não é o maior dos problemas. Preocupa ainda mais a forma atabalhoada com que essas mudanças de direcionamento têm sido conduzidas, o que traz ainda mais insegurança aos mercados.
“O que não pode é ter ruído. Quando o presidente toma a atitude de telefonar e mandar tirar uma propaganda do ar, toda a cadeia de hierarquia cai”.
Numa companhia aberta, são a diretoria executiva, e acima dela, o conselho de administração, que tomam as decisões de negócio.
As críticas de Rocha sobre governança se estendem também ao presidente do BB, Rubem Novaes. O banqueiro diz que o vídeo era desconhecido por ele até que Bolsonaro reclamou do que viu.
“Como pode o presidente de uma instituição regulada como é o Banco do Brasil não saber? Deveria saber.” Isso sem contar que a propaganda estava no ar desde o começo de março.
Assuntos como uma propaganda que faz menção à diversidade, de fato, nem mesmo deveriam precisar passar pela autorização do presidente de uma empresa do porte do BB. Mas, como lembra Rocha, os tempos são, digamos, estranhos.
“O gestor de marketing deveria ter autonomia, mas há temas que devem passar por aprovação de conselho. Pelo contexto atual de Brasil, temas como a diversidade acabaram virando sensíveis. Como o governo coloca holofote nesse tipo de assunto, não pode o presidente da instituição não saber o que será veiculado.”
Para seguir normas de boa governança, Rocha explica que a situação deveria ter sido conduzida de outra forma.
“O presidente poderia chamar para conversar, dizer ‘olha, vi essa propaganda, acho que não é por aí’, e pedir para que a discussão fosse levada para o conselho de administração, onde a melhor decisão seria tomada.”
Sobre a visão do presidente em relação a promoção da diversidade, Rocha entende que falta realismo a Bolsonaro. “Diversidade existe e saber lidar com isso é uma habilidade”, diz.
Rocha lamenta que a campanha tenha sido retirada do ar. “Os bancos digitais estão aí e é preciso correr atrás. Era uma propaganda positiva. É preciso mais razão, e menos essa periferia toda. O que realmente importa, a concorrência, é deixado de lado para discutirmos os telefonemas do presidente.”
O caso Petrobras
Episódio semelhante, ainda que de natureza distinta, aconteceu na Petrobras recentemente. Pressionado pela eminência de uma nova greve dos caminhoneiros, Bolsonaro não gostou quando soube pela imprensa que o preço do diesel subiria 5,74%. Como no caso do BB, deu um telefonema (a linha telefônica do Planalto anda funcionando demais) e o aumento foi suspenso e as ações da petrolífera despencaram 8% num único pregão. Dias depois, o aumento acabou vindo, de 4,13%.
Em entrevista ao Estadão, o presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, minimizou o episódio nesta sexta-feira (26). Disse entender a preocupação de Bolsonaro com os caminhoneiros e que “não dá para ser o machão” e bater o pé em nome da independência da Petrobras.
A admitida falta de conhecimento de Bolsonaro sobre economia, na visão de Rocha, colabora para decisões impulsivas.
“Um acionista [controlador] que age assim joga contra a própria empresa”, diz Rocha. “Quero crer que isso seja inexperiência, mas as vezes parece que o governo está aprendendo a cortar cabelo direto na nossa cabeça”, diz Rocha.
No caso da Petrobras, ele lembra que, quando o presidente vetou o reajuste do diesel, a empresa perdeu R$ 32 bilhões em valor de mercado em um só dia. Como principal acionista, foi justamente o governo que perdeu quase metade disso, R$ 14 bilhões. Difícil de entender? Não né.
E a outra metade desse prejuízo? Se você tem ações da Petrobras, um pedacinho dessa outra metade da perda está aí no seu bolso.
Fonte: por Gustavo Ferreira, Valor Investe — São Paulo